sobre

Este blob tem como objetivo acompanhar o meu processo durante a realização do Mestrado em Dança no Programa de Pós-graduação em Dança na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Este projeto, que tem como título (ainda provisório) Educação Somática: uma Metodologia de Primeira Pessoa para investigar a improvisação em dança. Ele está sendo realizado junto ao PPGDança (UFBA) dentro da linha de pesquisa: Processos e Configurações Artísticas em Dança. Esta linha de pesquisa aborda estudos dedicados à caracterização e análise crítica tanto dos processos envolvidos na prática compositiva da dança, quanto das suas resultantes configurações artísticas consideradas em suas articulações contextuais, interfaces tecnológicas, implicações políticas e estéticas.

Este processo tem como orientadora: Prof. Dra.  Jussara Setenta

Dissertação final: IMPROVISAR-SE DANÇANDO: COGNIÇÃO E INVESTIGAÇÃO DA EXPERIÊNCIA


Giorrdani Gorki Queiroz de Souza (Kiran) é fisioterapeuta graduado pela Hogeschool van Amsterdam (European School of Physiotherapy) na Holanda e pela Faculdade Integrada do Recife. Mestrando em dança pelo PPGDança (UFBA), Pós graduado em Fisiologia do Exercício aplicada a grupos especiais pela Universidade Gama Filho e em Dança como Prática Terapêutica pela Faculdade Angel Vianna.  Bailarino e ator com carreira internacional, atua como coreógrafo, performer, professor de Técnicas Contemporâneas de Dança, Dança-teatro, trabalho de corpo para atores, pesquisador do movimento humano e professor de anatomia, fisiologia do exercício e cinesiologia para bailarinos. Professor da Pós-Graduação em Dança Educacional e Artes Cênicas pela CENSUPEG (Centro Sul-Brasileiro de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação). Tem como áreas de interesse: improvisação em dança, práticas somáticas,  esudos da performance, ciências cognitivas, embodied cognition, enação, neurociências, estudos do corpo,  pedagogia da dança, estudos do movimento, cinesiologia e fisiologia do exercício.


PROJETO DE PESQUISA PARA QUALIFICAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE DANÇA
PROGRAMA DE PÓS-GRAFUAÇÃO EM DANÇA

GIORRDANI GORKI QUEIROZ DE SOUZA

EDUCAÇÃO SOMÁTICA: UMA METODOLOGIA DE PRIMEIRA PESSOA PARA INVESTIGAR A IMPROVISAÇÃO EM DANÇA

Projeto de pesquisa apresentado como pré-requisito para qualificação, junto Programa de Pós-Graduação em Dança da Universidade Federal da Bahia.

Orientadora: Prof. Dra. Jussara Sobreira Setenta.

Salvador – 2016

TEMA

Esta pesquisa tem como tema principal a articulação das práticas em Educação Somática enquanto Metodologias de Primeira Pessoa com as práticas investigativas de improvisação em dança.

PROBLEMA

A partir da abordagem enativa da cognição incorporada, quais as contribuições que o entendimento das práticas somáticas enquanto metodologias de primeira pessoa podem trazer para as práticas improvisacionais em dança.

HIPÓTESE

Assim como as metodologias de primeira pessoa, as práticas somáticas também visam uma investigação sistemática da experiência através da articulação de dados subjetivos. Quando nos aproximamos dessas metodologias pelo viés da enação, elas podem contribuir com as práticas improvisacionais em dança por abordarem o corpo enquanto um processo de circularidade entre a ação e a percepção na qual o movente modifica-se a si e seu mundo pelo próprio ato de mover.

JUSTIFICATIVA

No campo dança o paradigma representacional da cognição, no qual um sujeito pré-existente se relaciona com um mundo também dado a priori criando uma representação simbólica do mesmo, ainda se encontra muito presente em nossas práticas artísticas e pedagógicas. Acredito que a abordagem enativa da cognição incorporada, que aponta para um entendimento de que sujeito e mundo co-emergem da experiência, de que eles não preexistem a ela, pode trazer para práticas improvisacionais em dança novas reflexões sobre o ato de mover-se e o tipo conhecimento que ele produz.  O que caracteriza as metodologias de primeira pessoa, bem como as práticas somáticas, é o tipo de dados que elas coletam para responder suas questões. Em ambos os casos há uma investigação da experiência a partir de dados subjetivos. Elas preconizam o cultivo sistemático de um tipo especial de atenção para lidar com a experiência. Partindo destes pressupostos, e por acreditar que para investigar o movimento improvisado também seja preciso um tipo especifico de atenção, propomos as articulações aqui apresentadas. Ao propor esta pesquisa, tenho em mente que uma reflexão sobre os pontos de interseção entre os saberes produzidos pelas áreas abordadas em nosso objeto de pesquisa pode abrir novas perspectivas epistemológicas para a pesquisa em dança. Acredito também, que o diálogo entre estes campos do conhecimento pode beneficiar a pesquisa em dança tanto em seus processos criativo-pedagógicos quanto criativo-artísticos, e assim, apontar para novas possibilidades reflexivas no campo da dança.

REFERENCIAL TEÓRICO

A pesquisa acadêmica, historicamente, revela-se como uma prática indispensável para a produção do conhecimento. Não poderia ser diferente no campo da dança, que vem se expandindo gradualmente e com isto favorecendo o amadurecimento de discussões sobre suas epistemologias e os saberes que aí são produzidos. Este avanço vem fomentando o redimensionamento de sua importância estética, política e pedagógica.  Por ser um campo que tem como um de seus temas centrais o corpo, que também é tema de estudo em vários outros campos do saber, a dança na academia vem estabelecendo profícuas interlocuções com diferentes áreas, e com isto expandindo suas possibilidades de pesquisa e produção de conhecimento.

Ao longo da história da dança, percebemos um constante intercâmbio com práticas corporais não dançadas, tais como, regras de postura, o esporte, a medicina, terapias corporais, artes marciais, terapias corporais, entre outras. A partir dos anos 1970, um conjunto de práticas passou a ser muito procurado por bailarinos, professores e pesquisadores em dança. Estas práticas foram denominadas por Ginot (2010) de “métodos somáticos” ou “somatics”. Tal autora também nos traz que “essas práticas reconhecem a unidade corpo-mente e usam, simultaneamente, a observação objetiva e a interpretação subjetiva da experiência como métodos de construção do conhecimento. ” (GINOT, 2010, p.1). Embora já se venha discutindo há bastante tempo a relação entre dança e educação somática, tanto na academia quanto em processos artísticos e pedagógicos, ainda existem alguns aspectos desta relação que podem fomentar novas reflexões e assim contribuir para expansão destes dois campos do conhecimento.

São muitos os pesquisadores que vêm se dedicando ao estudo desta relação entre dança e educação somática, e dos benefícios mútuos que estes dois campos podem oferecer um ao outro. Alguns destes aspectos me interessam, em particular, a relação atenção/ação/percepção. Dentro das práticas somáticas, os procedimentos técnicos são centrados em investigações da experiência na primeira pessoa (soma). Tratam-se de práticas auto reflexivas estruturadas para transformar a experiência do self no mundo através da reflexão-em-ação. Muitas destas práticas visam ser usadas “pelo self sobre o self ” em ordem a refinar o conhecimento de si através do uso do corpo humano em ação.

As metodologias de primeira pessoa podem ser caracterizadas como procedimentos disciplinados para que o sujeito possa acessar e descrever a sua própria experiência (VARELA e SHEAR, 1999ª) e por serem auto reflexivas. Metodologias de primeira pessoa são um exemplo do que Schön (1987) se refere como reflexão-em-ação. Como reflexão-em-ação, as metodologias em primeira pessoa envolvem a resolução de problemas técnicos dentro do contexto mais amplo da investigação reflexiva encarnada.

Podemos distinguir metodologias de primeira, segunda e terceira pessoa a partir do dispositivo utilizado para a coleta de dados e o tipo de dado coletado […] Já a metodologia de primeira pessoa é aquela na qual o dado é fenomenológico, no sentido daquilo que aparece para o sujeito, como experiência, a partir da atenção que o sujeito porta sobre si próprio, sobre isso que ele pode acessar de sua experiência ou a posteriori (retrospectivamente). Ela pressupõe a relação do sujeito consigo mesmo em função de uma atenção a si. (VASCONCELOS, 2009, p.12)

A abordagem enativa da cognição incorporada apresenta a possibilidade de conceituar a improvisação em dança como uma prática enativa, pois, considera os indivíduos como sistemas vivos caracterizados por plasticidade e permeabilidade (adaptações momento a momento entre sujeito e o ambiente), autonomia, tomada de sentido, emergência, experiência e busca de equilíbrio. A Enação e a cognição incorporada enfatizam os papéis que o movimento do corpo e a experiência sensório-motora desempenham na formação de conceitos e do pensamento abstrato. Um quadro de referencial teórico e uma perspectiva sobre a improvisação em dança são aqui apresentados como abordagens interdisciplinares derivadas das ciências cognitivas e fenomenologia. A improvisação em dança, a enação e a cognição incorporada contribuem entre si no entendimento de que ser é fazer e fazer é conhecer (Varela, 1995).

Quando falo de improvisação em dança estou me referindo à totalidade da experiência, pois que o corpo se apresenta como importante referência da experiência de si mesmo, do outro e do mundo. Isto nos aponta para a profundidade relacional que o movimento possibilita entre nós e o mundo a nossa volta. Para abrir esta discussão, quero iniciar citando Turtelli, Tavares e Duarte (2002) quando nos trazem que:

O ato de colocar-se em movimento possui um grande potencial transformador. Quando a pessoa é considerada na sua totalidade, e o ato motor realizado em conexão constante como seu sentir, vemos um caminho para o autoconhecimento, no qual o contato com a experiência física promove o desenvolvimento pessoal do indivíduo. Nesse contexto, o indivíduo tem a possibilidade de, ao colocar-se em movimento, reorganizar suas experiências vitais, redescobrindo-se e articulando novas integrações. O movimento integrado é um caminho para o fluir no contato dentro e fora do ser humano e um agente para a eficácia da ação significativa do ser humano com o meio. (TURTELLI; TAVARES e DUARTE, 2002,p.164)

Gouvêa (2002, p.160) destaca a importância do esvaziamento e da experimentação como preparação do dançarino-improvisador para a criação imediata da dança.  E é nesta perspectiva que venho experimentando, em minha prática como artista-docente-pesquisador, com procedimentos que possibilitem colocar o dançarino-improvisador em estados corporais que fomentem este lugar de atenção a própria experiência, em um lugar de abertura, atravessamento de afetos e devir consciente. Acredito que para improvisar em dança é preciso desenvolver um tipo específico de atenção à experiência diferente dessa que mobilizamos no nosso cotidiano, uma atenção receptiva e panorâmica. Quanto a atenção Vasconcelos (2009) nos traz que:

A atenção é habitualmente investigada como um processo voltado para o mundo exterior. Recentemente, as ciências cognitivas, que habitualmente baseiam suas pesquisas em métodos experimentais de terceira pessoa, têm buscado incluir os métodos de primeira pessoa para estudar a experiência. A crescente utilização de metodologias de primeira pessoa tem colocado o problema de como acionar e mobilizar a atenção a si, acessando aquilo que se apresenta como experiência. (VASCONCELOS, 2009, p. 4)

Para improvisar, um bailarino precisa construir um amplo repertório sensório-motor e a habilidade de conexão e reestruturação permanente destas habilidades. Sobre o improvisador Gouvêa (2002) nos diz:

O improvisador é um artista da experimentação. Ele sabe que, a cada novo começo, a cada tentativa de criar a dança no aqui-agora, isto é, na duração daquilo que lhe acontece, terá de enfrentar muitos desafios inesperados e arriscados.  Para viver esta experiência em sua plenitude, ele se prepara, ou seja, coloca a si mesmo em experimentação contínua e rigorosa. Persistentemente, ele joga com o acaso para compor o diverso. Experimentar é entrar no fluxo da improvisação da dança, e isto não é nada simples, pois frequentemente o improvisador está tão congestionado internamente, com tantos pensamentos, imagens, sentimentos que não consegue estar na experiência. É preciso, então, esvaziar-se. O improvisador precisa parar o mundo para entrar no movimento, despertando em si mesmo as intensidades necessárias para tornar-se sempre outro, para metamorfosear-se em quantos outros forem necessários para tornar potente a dança em seu corpo.  Ao improvisador-experimentador incansável nada de importante escapa, ele sabe que o menor detalhe pode revelar um universo, que um pequeno movimento pode fazer vir à tona o gesto mais delicado e mais preciso para dizer a poesia do momento, ajudando-o a tecer os sentidos invisíveis do improviso. (GOUVÊA, 2002, p.162)

Investigar os mecanismos que ajudem o bailarino-improvisador a achar este estado de ser em movimento, esta atenção não reativa e esta abertura para novas possibilidades de movimento é o que alimenta minha investigação. Coaduno com Busaid (2012) quando ele nos fala sobre o aspecto processual do movimento e seu potencial para fomentar processos de subjetivação e de possibilitar uma mobilização do corpo a criar novas lógicas de se mover a partir da investigação.

Necessita-se entender o movimento como essa “coisa” incompleta, que mobiliza e permite criar impulsos para mudar, ou fazer novas conexões sobre si; e para entender-se como inacabado, na permanência de um processo. Este âmbito processual não só se justifica na transformação como eixo radical, senão na opção de se indeterminar, e, na possibilidade de se experimentar sem uma identidade fechada, fugir ao conceito de sujeito ou do “eu” como entidade fixa. De ser um nômade de si mesmo, do movimento e da hegemonia formatada do que pode vir a ser uma dança. (BUSAID, 2012, p.147)

A improvisação em dança que enfoca na escuta do corpo e na relação ação-percepção foca na singularidade de cada momento presente. Assim como Greiner (2005), interessa-me observar a improvisação em dança a partir das relações entre corpo e ambiente, dos diferentes níveis de consciência, da intencionalidade expressa através do movimento e da maneira como os universos simbólicos são organizados em ação, no momento em que acontecem, promovendo o aparecimento de novas metáforas corporais complexas, no trânsito entre corpo e ambiente, símbolos e ações.

Por mais distantes que possam parecer, existe um ponto de continuidade entre as áreas de educação, saúde e arte: o corpo. Os métodos de educação somática trazem consigo uma nova proposta de diálogo entre elas tendo justamente o corpo como seu foco. Segundo Fortin (1999) este novo campo de estudo, a educação somática, engloba uma diversidade de conhecimentos onde os domínios sensorial, cognitivo, motor, afetivo e espiritual se misturam com ênfases diferentes.

Por educação somática, designamos as práticas tais como a de Alexander, Feldenkrais, Bartenieff, a Ideokinesis, Eutonia e o Body-MindCentering. Embora estas práticas já existam há muito tempo, somente em 1976, Thomas Hanna (1928-1990), a quem se deve o termo, define a educação somática como sendo: “a arte e a ciência de um processo relacional interno entre a consciência, o biológico e o meio ambiente, estes três fatores sendo vistos como um todo agindo em sinergia.” (FORTIN, 1999, p. 40). A Educação Somática, em oposição ao pensamento mecanicista, nos propõe uma aproximação sistêmica e processual dos processos de aprendizagem oportunizando que cada pessoa se conecte consigo mesma, com sua forma única de mover e de ser, utilizando uma organização corporal regida por princípios abertos, ao invés de formas estereotipadas de movimento. Um ponto importante no ensino através da Educação Somática, diz respeito ao aluno/artista enquanto responsável por sua própria aprendizagem, uma vez que, na perspectiva somática, o saber se constrói na experiência prática de cada indivíduo. Os educadores somáticos reconhecem a interconexão das dimensões corporal, cognitiva, psicológica, social, emotiva e espiritual da pessoa e encorajam seus estudantes a trabalhar no sentido de uma reorganização global de sua experiência.

Ao meu ver, a principal contribuição das práticas de educação somática para a improvisação em dança é o foco no corpo enquanto experiência na primeira pessoa, no “soma”, e não mais no corpo objeto da terceira pessoa. Todas estas técnicas e métodos surgem ao mesmo tempo em que surgem a física quântica, a psicologia introspectiva e a fenomenologia, ambas com enfoque na dissolução do binômio sujeito/objeto. A física quântica nos diz que não existe a possibilidade de completa objetividade na ciência e que a subjetividade de quem observa o experimento sempre influenciará os resultados. A fenomenologia, movimento filosófico, criada pelo filósofo alemão Edmund Husserl (1859-1938) surge no final do século XIX, pautada também na busca da superação dicotômica existente entre o sujeito e o objeto, entre o racionalismo e o empirismo. Afirma que toda consciência é intencional e não existe separação do mundo. Ele argumenta que a realidade não se encontra fora da consciência perceptiva do homem. Quem muito ampliou esse movimento filosófico, a partir de uma perspectiva existencialista foi o filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (1908-1961). Os existencialistas buscam penetrar no contexto do mundo vivido, a partir do qual a experiência é constituída. Para Merleau-Ponty (1999), mundo é aquilo que nós percebemos e não fruto do significado mundo. O ser humano com o seu corpo está no mundo e é através dele que nós o e nos conhecemos. O mundo pulsa entre as infinitas possibilidades de significados no corpo, pois ele é o campo de percepções, compreensões, pensamentos e sentidos, ou seja, o corpo é a conexão do sujeito ao seu mundo. Esta nova visão do corpo e da relação sujeito-objeto, que como visto, podem ser rastreadas desde finais do século dezenove, e coincidem com o surgimento nos países do norte europeu e nos Estados Unidos com o que se denominou “Movimento Corporalista”.

Baseadas na ideologia corporalista, começaram então a surgir diferentes propostas teóricas e metodológicas que se aplicaram no campo das artes, da pedagogia, da terapêutica, da psicologia. O corpo humano começou a ser visto não como objeto da pessoa, mas como definição da sua própria existência. A partir de então, uma nova área do conhecimento se desenvolveu. Seu objetivo foi conhecer o sujeito através do corpo. (FERNANDES, 2010, p.310)

Todas as técnicas, métodos e metodologias em educação somática tem como ponto comum o trabalho com o corpo através do movimento tendo como princípio norteador, o corpo como experiência do sujeito (o soma), embasada no trinômio vivência, percepção e sensação.

Coadunando com Resende (2008), nós partimos do entendimento de que o enfoque deste tipo de trabalho não é no resultado que ele possa atingir, mas no processo, nas experiências vivenciadas e no potencial que ele tem de aguçar a percepção através da atenção a si mesmo. Quanto a isto a autora nos relata:

Esse foco no processo é o ponto de partida para qualquer trabalho que será desenvolvido em educação somática, e coloca o indivíduo como principal instrumento na realização de seus propósitos. Ao aguçar a sua percepção sobre os meios pelos quais ele se move, torna-se mais apto a fazer outras escolhas sobre aqueles movimentos que lhe trazem algum modo de prejuízo. Em última instância, cria-se uma sensação de prolongamento do momento presente que já não se distingue claramente os fins e os meios desse percurso. (RESENDE, 2008, p.66)

Esses são os entendimentos teórico-práticos que pretendo aprofundar nesta pesquisa. Acreditando que existem ainda muitos outros links que no momento não conseguimos identificar, pretendemos nos debruçar sobre cada um dos temas abordados através pesquisa bibliográfica e práticas corporais.

OBJETIVOS

OBJETIVO GERAL

Apresentar para o campo da dança as práticas somáticas como uma metodologia de primeira pessoa, articulando estes saberes com a abordagem enativa da cognição incorporada enquanto uma via possível para pesquisar a improvisação em dança.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

  • Explicitar o conceito de metodologias de primeira pessoa;
  • Articular a partir de referências do campo teórico, as relações possíveis entre as práticas somáticas e as metodologias de primeira pessoa;
  • Indicar a abordagem enativa da cognição incorporada como um possível articulador destas relações;
  • Aprofundar o entendimento dos preceitos teóricos aqui abordados através de pesquisa bibliográfica sobre os mesmos;
  • Realizar laboratórios corporais como um grupo de improvisadores em dança utilizando os preceitos teóricos da pesquisa;
  • Analisar os diários de bordo elaborados pelos participantes dos laboratórios corporais e produzir um diálogo entre eles e as referências teóricas abordadas na pesquisa;
  • Dissertar sobre todo o processo de pesquisa.

METODOLOGIA

Tendo em vista o cumprimento dos seus objetivos, a presente pesquisa se orienta pelas diretrizes de uma abordagem qualitativa. Esta abordagem parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva e circularidade entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito.  O objeto não é um dado inerte, neutro e representacional (cognitivismo), ele está atravessado de significados e relações que os sujeitos concretos criam em suas percepções/ações (abordagem enativa). A resposta à questão que me motiva, afigura-se aqui não como um produto, mas como um processo.

Por ter vivenciado os dois caminhos, graduação e pós-graduações na área da saúde (fisioterapia, educação física e dança terapaia) e a minha jornada artística enquanto artista-docente-pesquisador, acolho o que Tavares (2001) nos traz quando ela afirma que o conhecimento sensível de um artista pode ser o ponto de partida para uma investigação científica, assim como uma investigação científica pode apontar novos caminhos para a consciência da sensível.

Temos a intenção de nos arvorar na experimentação de uma metodologia de pesquisa que se baseia no entendimento de que a pesquisa não deve ser constituída a partir de modelos estruturais prontos, com questões a priori, metas especificas e caminhos traçados, pois, não tenho a intenção de criar uma representação do objeto estudado. Por estar me propondo a pesquisar a improvisação em dança, e as práticas somáticas, as metodologias de primeira pessoa e a abordagem enativa da cognição incorporada, creio que a cartografia por lidar com a criação de devires é o método que mais dialoga com o objeto em estudo. O projeto apresenta uma proposta dinâmica baseada na processualidade da pesquisa como agenciador de saberes e afetos, com relação a isto Moraes Júnior (2011) nos propõe:

A cartografia é um “desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de transformação da paisagem” (ROLNIK, 1989, p.15). Transportá-la, portanto, para o campo das paisagens psicossociais é afirmá-la como instrumento de análise da composição e desmantelamento de mundos, dos afetos que os atravessam e das intensidades que são captáveis pela vibração do corpo.  “A cartografia, diferentemente do mapa, é a integibilidade da paisagem em seus acidentes, suas mutações”, explica Suely Rolnik (ROLNIK, 1989, p.62). […] O cartógrafo, na verdade, acompanha um campo extremamente dinâmico.  O que ele procura incansavelmente são processos e devires. A cartografia consiste numa espécie de abertura ao finito ilimitado das possibilidades da existência humana. (MORAES JÚNIOR, 2011, p.54-55)

A aproximação à uma realidade complexa como é a dança implica em uma abordagem não dualista, que rejeita as usuais dissociações natureza/cultura, objetivo/subjetivo e põe em questão as metodologias tradicionais de pesquisa em arte. De acordo Deleuze e Guattari (1995) como citados por Paulon & Romagnoli (2010),

Já a cartografia, como proposta por Deleuze e Guattari (1995), é um método para aproximação da subjetividade entendida em sua dimensão processual que é, sempre, nesta concepção diferenciada da noção de sujeito, produto e também processo de produção. “Encontramos aí a primeira pista para a prática do método da cartografia: cartografar é acompanhar um processo, e não representar um objeto.”, afirma Kastrup (2008, p. 469). Como um dos princípios de funcionamento do rizoma, para Deleuze e Guattari (1995), a cartografia é um mapa aberto que se vai desenhando pelas conexões que o campo de pesquisa ofertar, não se esquecendo jamais que nele se incluem as implicações do próprio pesquisador, ou seja, seus desejos, perguntas, curiosidades, verdades… (PAULON & ROMAGNOLI, 2010, p.98)

Meu desejo é que ao final deste processo cartográfico eu possa compreender melhor como se dá a relação entre a abordagem enativa da cognição incorporada com o ato de improvisar em dança e de como as práticas somáticas enquanto metodologias de primeira pessoa podem aprofundar a relação do improvisador em dança com a sua experiência.   Como  esta  relação  pode  ser utilizada  em  um  processo  pedagógico  e  criativo  envolvendo  o  bailarino-criador, assim como, observar o resultado de tal integração na capacidade deste artista  em  desenvolver  uma  maior  consciência  de  sua  corporeidade,  sua performatividade, de seu repertório de metáforas corporais, do  seu corpo  em  movimento  e  de  suas  habilidades  motoras  e  expressivas, subsidiando a sua atuação enquanto corpo cênico destruidor de certezas, auxiliando-o no seu processo de pesquisa em dança e com isto contribuir para a construção de saberes em/na dança enquanto área de conhecimento.

CRONOGRAMA

Atividade Semestre
 
Curso de disciplinas (créditos)  X X X
Revisão bibliográfica – Educação somática; improvisação em dança; enação; cognição incorporada; metodologias de primeira pessoa; método cartográfico de pesquisa.  X X X
Pesquisa prática        X
Qualificação        X
Início da escrita e organização do material teórico e prático        X
Sistematização, análise dos dados, finalização da escrita        X
Revisão e Defesa        X

 

 

REFERÊNCIAS

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VASCONCELOS, Christian Sade. Atenção a si: da auto-observação à auto-produção. Tese de doutorado em Psicologia, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009.


PPGDança – UFBA

Programa de Pós-Graduação em Dança da Universidade Federal da Bahia

Pré-projeto de Mestrado 

 

IMPROVISAÇÃO EM DANÇA: CARTOGRAFIAS DE UM CORPO EM TRÂNSITO

Giorrdani Gorki Queiroz de Souza

Linha de Pesquisa:

Processos e Configurações Artísticas em Dança

Professora Orientadora: Jussara Sobreira Setenta, Dra. / Fátima Campos Daltro de Castro, Dra.

Jaboatão dos Guararapes, PE, 2014

SUMÁRIO

  1. Introdução.
  2. Justificativa.
  3. Objetivos.

3.1.          Objetivo geral

3.2.          Objetivos específicos.

  1. Objeto.
  2. Metodologia.

5.1.          Plano de trabalho (sumário inicial da dissertação)

5.2.          Procedimentos Teórico-Metodológicos.

5.3.          Procedimentos Metodológicos Práticos.

  1. Cronograma.
  2. Referências Bibliográficas.

7.1.          Bibliografia utilizada para escrita deste pré-projeto.

7.2.          Indicação de obras a serem lidas durante o mestrado.

1.      Introdução

Este pré-projeto de pesquisa, no intuito de dar continuidade e aprofundar minha investigação sobre a improvisação em dança como recurso para processos pedagógicos e criativos, apresenta uma proposta de estudo cartográfico sobre a improvisação enquanto ferramenta para o processo de criação em dança, e a consequente apresentação de seus resultados em um jogo cênico que denomino de “cartografia coreográfica”[1]. Norteado pela metodologia da cartografia proposto por Suely Rolnik, como modo de acompanhamento/escritura de processos de criação em dança, venho propor esta pesquisa teórico-prática sobre os temas que escolhi como objeto de investigação, nomeadamente: o potencial da improvisação como agenciador de devires, autoconhecimento e saberes em/na dança, assim como a relação do movimento humano e a imagem corporal.

Em meu trabalho de conclusão de curso para a pós-graduação latu sensu em Dança como Prática Terapêutica[2] investiguei a relação do movimento com a imagem corporal em um processo pedagógico e criativo com atores em formação. Neste projeto de pesquisa pude observar através dos relatos dos alunos (diários de bordo e questionário) o quanto o trabalho realizado com eles, utilizando técnicas de educação somática e improvisação, expandiu a consciência corporal e a percepção de si mesmos. Esta observação despertou em mim o desejo de me aprofundar nesta pesquisa e no entendimento de como o movimento improvisado pode agenciar o autoconhecimento. Assim como Gouvêa (2012) quero “pensar a experimentação como o caminho para a vivência-aprendizagem da improvisação, mas também como uma maneira de estar no mundo e de perceber a si mesmo nas relações com os outros.” (GOUVÊA, 2012:162)

Em meu mais recente trabalho como diretor e coreógrafo intitulado “Elégùn: um corpo em trânsito”[3], a improvisação foi utilizada como modo primordial de reflexão, criação e compartilhamento em/na dança. Neste projeto minha proposta foi abordar os temas corporalidade e performatividade (Jussara Setenta[4] e Chistine Greiner[5]) na dança e apresentar o resultado da pesquisa através de uma cartografia coreográfica.

Estes dois processos, o pedagógico e o criativo, somaram-se e multiplicaram em mim o desejo de aprofundar os meus questionamentos e dar continuidade a minhas investigações.

Além do aprofundamento teórico através do diálogo com a cartografia como metodologia de pesquisa em dança (Suely Rolnik, 2014; Deleuze & Guattari, 1995, 2002); a improvisação em dança (Vida L. Midgelow, Ivar Hagendoorn,  Raquel Valente de Gouvêa e Cleide Martins); com os conceitos relativos a imagem corporal e processos de subjetivação (Paul Schilder, Cash and Pruzinsky, Maria da Consolação Tavares, Larissa Sato Turtelli , José Gil, Gilles Deleuze e Feliz Guattary, Suely Rolnik, Selda Endelman, Bardel Sander da Silva), assim como, com os conceitos de corporalidade e performatividade (Jussara Setenta, 2008 e Christine Greiner, 2005); quero também experimentar e experienciar estes conteúdos através de um processo criativo que utilize a improvisação como caminho e como agenciadora de atravessamentos de saberes no/do corpo. Para isto proponho como parte do projeto uma pesquisa de campo que resultará na criação de uma performance em dança que reterritorialize a minha vivência e os procedimentos criativos utilizados na montagem de Elégùn: um corpo em trânsito, com intuito de buscar um entendimento singular do que me proponho problematizar.

Sendo de natureza qualitativa, parte da minha pesquisa será aplicada no campo, onde terei como objeto de discussão o processo em si e os diários de bordo dos participantes do experimento.  Serão apresentadas e discutidas neste trabalho as reflexões dos participantes sobre suas vivências durante o processo e de como nossas práticas influenciaram nas suas imagens corporais, contribuíram para os seus processos criativos e fomentaram a produção de um corpo próprio (Ponty, 1994) e uma dança própria (Busaid, 2102.2); sempre numa relação dialógica com os teóricos supracitados.

2.      Justificativa

Quando iniciei o processo de escrita desse projeto, eu fui confrontado com o questionamento sobre o objetivo dele e de qual seria a contribuição que eu poderia dar com as minhas reflexões sobre a minha prática enquanto artista-docente para a academia. O que significaria e qual o valor de se investigar a improvisação para a produção de conhecimento em dança? Assim como, qual a importância da prática como caminho e forma de pesquisa? Partindo do lugar em que me encontro enquanto bailarino, docente coreografo e improvisador e da certeza do imenso potencial da improvisação enquanto dispositivo pedagógico, criativo e agenciador de autoconhecimento é que venho propor este projeto pesquisa.

Gostaria de esclarecer que sempre que a palavra “corpo” aparece neste texto, ela significa o corpo-mente, o ser-corpo. “O pensamento, as emoções, os sentimentos e a cognição habitam o espaço do corpo” (Gil, 2004), ou seja, só nos tornamos conscientes desses processos através e no corpo e suas relações com o ambiente em que este está inserido.

Em minha busca por literatura sobre o tema, descobri o quanto ela é escassa, principalmente se tivermos como expectativa reflexões sobre o que é a improvisação e o seu valor artístico e não apenas sobre a sua prática. Este projeto almeja trazer uma reflexão sobre a improvisação, vista não apenas como um recurso, mas como a própria dança, realizada no instante de sua execução. O tipo de corporalidade agenciada pela improvisação tenta sair da fixidez dos movimentos codificados para o movimento enquanto processo, que enfatiza a urgência e o tornar-se, sempre no momento presente.

Desde 1991, quando migrei para Alemanha para dar continuidade a minha carreira como bailarino, trabalho quase exclusivamente com improvisação como recurso pedagógico e para criação em dança. Esta minha vivência levou-me acreditar no enorme potencial transformador que o movimento improvisado tem para a imagem corporal, e que por isto, revela-se como potente agenciador de conhecimento[6] e consequentemente autoconhecimento como defendido por Boaventura Souza Santos (2003).

Acredito que quando abordamos o movimento sob a perspectiva da imagem corporal estamos nos referindo à totalidade da experiência, pois que o corpo apresenta-se como importante referência da experiência existencial de si mesmo e do outro. Isto nos aponta para a profundidade relacional entre nós e o mundo a nossa volta que o movimento possibilita. Para abrir esta discussão quero iniciar citando Turtelli, Tavares e Duarte (2002) quando nos relatam que:

O ato de colocar-se em movimento possui um grande potencial transformador. Quando a pessoa é considerada na sua totalidade, e o ato motor realizado em conexão constante como seu sentir, vemos um caminho para o autoconhecimento, no qual o contato com a experiência física promove o desenvolvimento pessoal do indivíduo. Nesse contexto, o indivíduo tem a possibilidade de, ao colocar-se em movimento, reorganizar suas experiências vitais, redescobrindo-se e articulando novas integrações. O movimento integrado é um caminho para o fluir no contato dentro e fora do ser humano e um agente para a eficácia da ação significativa do ser humano com o meio. (TURTELLI; TAVARES e DUARTE. 2002:164)

Concordo com Gouvêa (2002) quando ela nos diz que “a experiência singular da improvisação produz novos campos problemáticos para pensarmos a dança e a criação artística”, e destaca a importância do esvaziamento e da experimentação como preparação do dançarino-improvisador para a criação imediata da dança.  E é nesta perspectiva que venho experimentando, em minha prática como artista/docente, com dispositivos que possam colocar o dançarino-improvisador em estados corporais que fomentem este lugar “entre” o inconsciente/consciente, virtual/atual, visível/invisível, superficial/profundo, este entre lugar de abertura, atravessamento de afetos e devir. Coaduno também com a ideia de Gouvêa (2002) de que para acessar este corpo, o artista precisa esvaziar-se de todos os corpos-ruídos, corpos-clichês, corpos-cotidianos que lhe impedem o livre fluxo da composição imediata da dança. Pretendo através da parte prática da pesquisa investigar estes dispositivos “esvaziantes” sistematicamente e gerar uma escrita critico-reflexiva sobre as vivências conjuntas dos seus participantes. Através dos diários de bordo e da escrita poética durante os laboratórios pretendo construir e organizar os pensamentos e reflexões que serão compartilhados na dissertação.

Para improvisar, um bailarino precisa construir um amplo repertório sensório-motor e a habilidade de conexão e reestruturação permanente de sua imagem corporal. Sobre o improvisador Gouvêa (2002) nos diz:

O improvisador é um artista da experimentação. Ele sabe que, a cada novo começo, a cada tentativa de criar a dança no aqui-agora, isto é, na duração daquilo que lhe acontece, terá de enfrentar muitos desafios inesperados e arriscados.  Para viver esta experiência em sua plenitude, ele se prepara, ou seja, coloca a si mesmo em experimentação contínua e rigorosa. Persistentemente, ele joga com o acaso para compor o diverso. Experimentar é entrar no fluxo da improvisação da dança, e isto não é nada simples, pois frequentemente o improvisador está tão congestionado internamente, com tantos pensamentos, imagens, sentimentos que não consegue estar na experiência. É preciso, então, esvaziar-se. O improvisador precisa parar o mundo para entrar no movimento, despertando em si mesmo as intensidades necessárias para tornar-se sempre outro, para metamorfosear-se em quantos outros forem necessários para tornar potente a dança em seu corpo.  Ao improvisador-experimentador incansável nada de importante escapa, ele sabe que o menor detalhe pode revelar um universo, que um pequeno movimento pode fazer vir à tona o gesto mais delicado e mais preciso para dizer a poesia do momento, ajudando-o a tecer os sentidos invisíveis do improviso. (GOUVÊA, 2002:162)

Investigar os mecanismos que ajudem o bailarino-improvisador a achar este estado de ser em movimento é o que alimenta minha investigação. Acredito que no movimento conseguimos nos recriar, assim como entender e aceitar a natureza impermanente e processual da nossa imagem corporal em seus aspectos constituintes, o estrutural, o pulsional e o social (Shilder, 1999). Coaduno com Busaid (2012) quando ele nos fala sobre o aspecto processual do movimento e seu potencial para fomentar processos de subjetivação.

Necessita-se entender o movimento como essa “coisa” incompleta, que mobiliza e permite criar impulsos para mudar, ou fazer novas conexões sobre si; e para entender-se como inacabado, na permanência de um processo. Este âmbito processual não só se justifica na transformação como eixo radical, senão na opção de se indeterminar, e, na possibilidade de se experimentar sem uma identidade fechada, fugir ao conceito de sujeito ou do “eu” como entidade fixa. De ser um nômade de si mesmo, do movimento e da hegemonia formatada do que pode vir a ser uma dança. (BUSAID, 2012:147)

É em concordância com o que nos diz Aquino (2007) sobre a necessidade que enfrentamos hoje de uma reflexão sobre a autonomia da dança como área do conhecimento, que venho propor esta pesquisa teórico-prática visando fomentar uma rede de troca de informações que favoreça desdobramentos dos conhecimentos produzidos.

A razão pela qual decidi realizar uma pesquisa de cunho teórico-prático é a minha crença de que é no dançar que se constrói saberes em/na dança, e de que através da dialogia e interdisciplinaridade podemos fomentar a produção de conhecimento na academia.

3.      Objetivos

3.1. Objetivo geral

O objetivo geral desta pesquisa consiste em aprofundar o entendimento da relação da improvisação em dança com a imagem corporal no agenciamento do corpo próprio (Merleau-Ponty, 2011) da dança própria (Busaid, 2102.2), assim como na realização de um processo criativo no qual este entendimento possa ser posto em prática.

3.2. Objetivos específicos

  • Descrever e analisar, a partir de referências do campo teórico, as relações entre improvisação e imagem corporal na produção de um corpo próprio e uma dança própria.
  • Realizar pesquisa cartográfica e participativa tendo como campo um grupo de bailarinos improvisadores.
  • Analisar os diários de bordo dos participantes da pesquisa e produzir um diálogo entre eles e as referências teóricas abordadas na pesquisa.
  • Produzir, em sala, o trabalho prático com improvisação em dança tendo como foco a produção de uma performance em dança utilizando o conceito de cartografia coreográfica.

4.      Objeto

A pesquisa proposta tem como objeto a improvisação em dança na sua relação com a imagem corporal e processos de subjetivação, assim como, seu potencial de fomentar experimentos em dança contemporânea e a produção de saberes em/na dança.

5.      Metodologia

5.1. Plano de trabalho (sumário inicial da dissertação)

A dissertação será dividida em quatro sessões nas quais, primeiramente pretendo discutir que corpo é este que produz dança; como criar um corpo próprio e uma dança própria. Em seguida como o movimento e a imagem corporal se relacionam na improvisação. Em seguida discutir, problematizar e experimentar com diversas metodologias de improvisação em uma pesquisa de campo e finalizar discutindo a experiência e os seus devires em um processo criativo que se desdobrará e um experimento cênico.

  • Introdução
  • O corpo que dança
    • O movimento e a imagem corporal
    • A escuta do corpo
    • O corpo próprio
    • A dança própria
  • A improvisação em dança
    • A improvisação como agenciador de conhecimento em dança
  • O experimento
    • Análise e discussão sobre os diários de bordo em relação com a teoria apresentada
    • Discussão sobre o processo criativo
  • Considerações finais

5.2. Procedimentos Teórico-Metodológicos

Antes de me aprofundar nesta discussão sobre a importância da relação entre movimento e imagem corporal quero apresentar uma breve contextualização histórica sobre o conceito de imagem corporal. Gostaria de lembrar que o interesse no estudo e das pesquisas em imagem corporal surgiu no início do século XX. Naquele momento inicial, havia um grande envolvimento por parte dos neurologistas em investigar os distúrbios na percepção corporal dos pacientes com lesões cerebrais. Eles descobriram, a partir dessas investigações, que a forma de perceber o corpo estava relacionada a um processo organizado, vulnerável à estas possíveis lesões. O enfoque dessas pesquisas era principalmente no seu aspecto fisiológico, não havendo ainda uma noção clara da dimensão e da complexidade do novo campo que se abria. Segundo Tavares (2003, p.11) o contexto da neurociência teve uma evidente influência na maneira pela qual os pesquisadores da época interpretavam os atos observados. Um dos mais importantes nomes desta época foi o neurologista inglês Henry Head, sobre ele Turtelli, Tavares e Duarte (2002) relatam:

Referência ao falar-se do início das pesquisas em imagem corporal é o neurologista inglês Henry Head, que ficou conhecido por criar o termo esquema corporal (em 1911). O esquema corporal seria um modelo postural padrão que cada pessoa construiria de si mesma e que serviria de referência para que ela pudesse contrapor a esse modelo suas diferentes posturas e movimentos. A construção do esquema corporal seria uma necessidade básica para todas as pessoas, para moverem-se e localizarem-se no espaço adequadamente. Head enfatizou o papel do esquema corporal em orientar a postura e o movimento corporal. (TURTELLI; TAVARES e DUARTE. 2002, p.152)

Head contribuiu para a consolidação do significado do termo esquema corporal propondo que cada um de nós constrói um modelo de si que constitui um padrão para comparação e uma exigência básica para que sejamos capazes de dar coerência na execução de cada nova postura ou movimento corporal, o que ele chamava de “esquema”. Fisher[7] em Cash e Pruzinsky (1990, p.3-5, tradução do autor) nos dizem que no início das pesquisas, no século passado, termos como imagem corporal, conceito corporal, autoimagem, esquema corporal e percepção corporal eram aplicados sem uma tentativa efetiva de integrá-los, situação que perdura até os dias atuais. Durante este período, e ainda hoje, uma grande parte do interesse pela imagem corporal enfatiza aspectos como percepções corporais distorcidas e suas conexões com possíveis danos cerebrais ou outras variáveis. Porém, alguns autores, como Paul Shilder, Merleau-Ponty, Le Bouch e Lapierre, abordaram o tema por outras perspectivas, o que contribuiu para novos caminhos, mais abrangentes, nas pesquisas atuais. Tavares (2003, p.47-48) nos relata que estes autores apresentam uma visão da imagem corporal vinculada à identidade da pessoa e que se desenvolve de forma indissociável dos aspectos fisiológicos, sociais e psicológicos. Posicionam-se de forma clara sobre a complexidade do fenômeno. Suas ideias, pesquisas e modelos de intervenção contribuíram significativamente para minha visão atual sobre o tema, bem como para a forma como o tema será abordado nesta pesquisa, sustentando a ênfase ao aspecto existencial do corpo. A autora ainda defende que a relevância dos estudos sobre imagem corporal está em sua conexão com o desenvolvimento da identidade da pessoa humana e por ser o ponto norteador das relações do homem com o mundo. A forma como cada um se percebe, e o mundo a sua volta, pode ser influenciada tanto por processos pedagógicos e criativos quanto terapêuticos. Eles proporcionam a possibilidade de entrar em contato com diferentes aspectos da própria existência. O movimento é um elemento que pode ser utilizado em todos estes processos como catalizador da expansão da imagem corporal.

Compartilhando com Turtelli (2003, p.16) do entendimento de que o movimento é elemento que dissolve, transforma e integra a imagem corporal e de que indivíduos que trabalham com o próprio corpo e com o corpo do outro, desenvolvem um conhecimento intuitivo e vivencial das questões que envolvem a relação da imagem corporal com as qualidades de movimento, decidi investigar a improvisação como norteador da parte prática deste projeto. A utilização de diversas técnicas de improvisação em dança será o principal recurso metodológico para esta investigação. Schilder (1999) aborda as relações da imagem corporal com os movimentos da dança. Segundo o autor, “o tensionamento ou relaxamento dos músculos, e o movimento do corpo a favor ou contra a força da gravidade ou os impulsos centrífugos podem ter imensa influência na imagem corporal. Assim, o fenômeno da dança é uma desestruturação e uma alteração da imagem corporal” (SHILDER, 1999, p.229). De acordo com este autor algumas qualidades de movimento parecem tender a causar reações específicas na imagem corporal. Ele nos dá como exemplo os movimentos circulares, presentes em inúmeras danças, jogos e rituais. Shilder nos diz ainda que estes movimentos, assim como os movimentos rápidos, tendem a desestruturar a imagem corporal, pois influenciam cinestesicamente na percepção do corpo. Segundo ele:

Ao observarmos […] dançarinos fazendo piruetas rápidas num palco, vemos duas cabeças em lugar de uma. Durante o movimento rápido, a impressão visual tende à multiplicação e à desestruturação do modelo postural. […] Estes movimentos também influenciam cinestesicamente a percepção do corpo. Qualquer movimento rápido, especialmente os circulares, também altera a reação vestibular e, com esta, a sensação de peso do corpo. Isto se deve especialmente à ação muscular, mas também se liga à irritação vestibular”. (SHILDER, 1999. p.229)

Movimento e imagem corporal mantem uma relação íntima, influenciando um ao outro simultaneamente a todo momento. Uma das funções atribuídas à imagem corporal é a orientação da postura e dos movimentos corporais. Quanto a isto Shilder (1999) nos diz:

O modelo postural do corpo, o conhecimento dos membros e de suas relações mútuas, é necessário para começar qualquer movimento. […] Quando o conhecimento dos membros for insuficiente para o início do movimento, o indivíduo tentará aumentar seu conhecimento através de movimentos de teste. O conhecimento sem movimento é sempre incompleto”. Por outro lado o movimento é essencial para o reconhecimento e construção da imagem corporal é só através do movimento que podemos adquirir conhecimentos a respeito do nosso corpo. “O desenvolvimento da imagem corporal é guiado pela  experiência, erro e acerto, esforço e tentativa. (SCHILDER, 1999, p.324).

Schilder ainda enfatiza a importância do movimento e da ação para o reconhecimento e construção da imagem corporal. A relação acontece em uma via de mão dupla, tanto o movimento é necessário para a percepção do corpo, quanto o conhecimento dos diversos segmentos corporais e de suas relações mútuas é necessário para que qualquer movimento seja realizado. Devido ao caráter dinâmico da imagem corporal qualquer movimento irá influenciá-la. Desta forma a imagem corporal concede características individuais ao movimento dadas pelas circunstâncias fisiológicas, psíquicas e ambientais vivenciadas no momento de sua realização. Com relação a isto, corroboro com a colocação de Turtelli (2003) de que:

[…] o movimento representa um elemento integrador e a expressão de cada individualidade, na medida em que nossos padrões motores remetem a aprendizados obtidos cedo na infância e testados e aprimorados por toda uma vida. A imagem corporal e o movimento trazem esta relação com o desenvolvimento ontogenético e, além disso, precisam ser escrutinados considerando-se sempre o indivíduo na sua relação com o ambiente. […] Ao tratarmos de imagem corporal e movimento devemos considerar sua ligação intrínseca com o lado emocional, a personalidade de cada indivíduo e tudo o que ela engloba, a experiência corporal enquanto realidade única para cada ser humano, tanto no seu mover, quanto na própria organização física, tônica e postural do seu corpo. (TURTELLI, 2003, p.13)

Turtelli (2003) cita Shontz[8] (1977) quando ele procura fazer entender o que é imagem corporal evidenciando o que ela não é. O autor cita três ideias a respeito de imagem corporal que impedem uma abordagem adequada do assunto:

  1. Imagem corporal não é um órgão do corpo. O autor ressalta que a imagem corporal é fisiológica e também psicológica, que pode ser modificada tanto por alterações na estrutura corporal, quanto pelo aprendizado.

  2. Imagem corporal não é um desenho, uma fotografia ou um diagrama do corpo. Se uma imagem (no sentido visual) do corpo fosse necessária para que pudéssemos nos locomover adequadamente, como explicar que um caçador primitivo pudesse correr atrás de uma presa, sem nunca ter se visto no espelho nem ter a capacidade de se reconhecer em uma fotografia? Para caçar, o caçador não precisa literalmente se ver correndo atrás da presa.

  3. Imagem corporal não é uma pequena pessoa que temos na cabeça. A imagem corporal está em estreita relação com a personalidade e com o chamado “ego corporal”. Este, interpreta as sensações corporais e acentua ou diminui essas sensações dependendo de seu significado. Neste ponto de vista corre-se o risco de acreditar que o “ego corporal”, ao qual a imagem corporal está intrinsecamente associada, corresponde a um ser dentro de nós tomando decisões independentemente de eventos observáveis externamente. (SHONTZ, 1977 apud TURTELLI, 2003, p.45-46)

 Com relação ao trabalho do improvisador em dança, na qual o corpo, emoções e presença são partes de uma equação que resultará na qualidade de seus movimentos em cena Shilder (1999) nos lembra que toda emoção se expressa no modelo postural do corpo e toda atitude expressiva se relaciona com alterações características do modelo postural. Estas sequências de características de alterações de peso e leveza das diversas partes do corpo são análogas às sequências de alterações de imagem corporal que vão se processando paralelamente (SCHILDER, 1999, p.231-232).

Freitas (2004, p.74) afirma que “todo conhecimento – inclusive o de si mesmo – passa pelo corpo.” Podemos, no entanto perceber claramente que este conhecimento difere de pessoa pra pessoa, e entre diferentes áreas em um mesmo corpo, mas uma vez relacionando o conhecimento de si à imagem corporal, à imagem que cada um tem de si mesmo. Citando Fisher (1970), Freitas (2004) nos coloca que:

A consciência do corpo é definida como a maneira pela qual a atenção sobre o corpo é distribuída (FISHER, 1970, p.453) e as pessoas diferem no quanto elas estão conscientes de seus corpos – algumas têm uma elevada consciência do corpo e outras estão minimamente conscientes dele. (FISHER, 1970, p.144) Além disso, algumas áreas do corpo recebem consistentemente maior atenção do que outras e tal diferenciação parece ter um sentido psicológico. (FISHER, 1970 apud FREITAS, 2004, p.74)

A partir da perspectiva das ciências cognitivas. Dentro deste campo teórico opto pelos trabalhos de LAKOFF e JOHNSON (1999) sobre as metáforas corporais. Esses autores podem contribuir justamente para a discussão e o entendimento sobre o corpo dançante enquanto produtor de metáforas corporais específicas, revelando a relação de retroalimentação entre corpo e ambiente, experiência sensório-motora e subjetividade. No que se refere à improvisação, cada vez que nos lançamos no ato de criar estamos nos dando a oportunidade de revisitar e reterritorializar nossas metáforas e com isto nossa visão de mundo e de vida. A improvisação acontece no presente do presente, em fluxo, e quanto a isto, Bittencourt (2012, p.13) nos relata que o corpo é imagem em fluxo no tempo, e “que as imagens emergem como modos de própria percepção. Imagem no corpo é sempre uma ação que desliza pela instabilidade dos ajustes que enfrenta para se tornar uma presentidade”.

Quanto a parte prática desse projeto, ela visa a realização de um jogo cênico que transite pelos conceitos de “corporeidade” e de “performatividade”, assim como apresentados nos livros: O corpo: pistas para estudos indisciplinares de Christine Greiner (2005) e O fazer-dizer do corpo de Jussara Setenta (2008).

Para esta parte do projeto parto do princípio que de todos nós somos “corpos transitados” incorporando a nossa própria vida, metáforas e os conceitos embebidos em nossa cultura. Este “incorporar” converge muito a ideia de “contaminação” presente no conceito de “corpo mídia” (Helena Katz e Christine Greiner), de estar vivendo sempre em processo, conectando tempos, linguagens e estados corporais no presente do presente, o que poderia muito bem ser uma definição para improvisação. Assim como as autoras supracitadas, defendo que no fazer artístico a ideia de que “O corpo” não é um substantivo, ele é um verbo. Ele corporifica “qualidades de existência”. Este jogo cênico utilizará como metáfora para compor sua dramaturgia, a trajetória de um “ser” que se deixa atravessar e contaminar pelo seu próprio fazer-dizer, e narra estes atravessamentos “no presente do presente”, colocando-se em vários estados corporais distintos. Num caminho que percorre as metáforas contidas nos sete chacras, o corpo em trânsito, vai narrando o seu caminhar através do imergir nas metáforas referentes a cada um dos chacras (cor, som, características psíquicas, imagens abstratas etc.). O jogo cênico se desenvolverá em sete cenas que dialogam com as questões: o quanto podemos nos deixar contaminar pelo fazer-dizer da dança? Como utilizar a improvisação em dança em processos criativos? Como é estar em cena em um estado alterado de consciência (não cotidiano) e permitir que o seu dançar se produza no momento em que acontece? Com este jogo quero colocar em discussão o conceito de si-mesmo (self) de Greiner (2005) que aborda “o sujeito como epicentro do conhecimento e da cognição, da experiência e da ação”. Durante o experimento, os improvisadores percorrerão um caminho de descoberta de “si mesmo” através da sua própria corporeidade. Quero dialogar também com o conceito de Antonio Damásio, para quem o “si-mesmo” seria a coleção de imagens que representam os aspectos mais constantes do organismo e suas interações com o ambiente e os outros seres vivos, que no caso do bailarino, abarca também os padrões de movimento mais constantes em sua prática. Assim como o conceito de imagem corporal de Paul Shilder (1935), para quem, “ao estudarmos a imagem corporal, devemos abordar o problema psicológico central da relação entre as impressões de nossos sentidos, nossos movimentos e a motilidade em geral” (SCHILDER, 1935, p.15). Para este autor a experiência da nossa imagem corporal e a experiência dos corpos dos outros estão intimamente interligadas. Assim, as emoções, as ações e percepções são inseparáveis da nossa imagem corporal. O conceito de Shilder coaduna com o de Damásio e propõe considerar como âmago da noção de “si-mesmo” a estrutura do corpo (vísceras, estrutura muscular, óssea e outras) e a identidade singular da ação. Isto compreende as atividades cotidianas, as relações com os outros e as escolhas pessoais durante a vida.

“A singularidade de um corpo está ligada à identidade das suas ações em um ambiente e o fluxo incessante de imagens que não apenas o identificam em relação aos demais seres vivos, mas o tornam apto a sobreviver. Isso tudo estaria relacionado também à dramaturgia de um corpo, uma vez que tudo se resolve no momento em que acontece.” (GREINER, 2005, p.80)

O jogo de cena se desenvolve no sentido de vivenciar esta dramaturgia corporal de acordo com a singularidade de cada momento presente. Assim como Grainer (2005), interessa-me observar o comportamento cênico a partir das ações corporais, das relações entre corpo e ambiente, dos diferentes níveis de consciência, da intencionalidade expressa através do movimento e da maneira como os universos simbólicos são organizados em ação no momento em que acontecem promovendo o aparecimento de novas metáforas corporais complexas no trânsito entre corpo e ambiente, símbolos e ações. Coaduno com a autora quando ela afirma que “a metáfora corporal é aquela que dá a partida para o discurso e, simultaneamente, para a organização in vivo da comunicação.” (GREINER, 2005, p.51). As metáforas do corpo vão sendo construídas durante a cena e, ao mesmo tempo, abrem a possibilidade de novos modos de organização do ambiente a seu redor (cena e público), na medida em que se transformam em metáforas do mundo. (GREINER, 2005, p.55) Lanço-me aqui no espaço do desconhecido e imbrico com a dramaturgia desse jogo o conceito de que “tudo que é vivo deve co-habitar com a desordem e a instabilidade.” (GREINER, 2005, p.39) e de que “a percepção nada mais é do que um processamento de informações, ou seja, uma relação ad infinitum de ordem e desordem.” (GREINER, 2005, p.115). Com relação a dramaturgia, da forma como pretendo abordar nesse experimento, pretendo dialogar com Greiner (2005) quando ela nos diz que:

[…] a dramaturgia é uma espécie de nexo de sentido que ata ou dá coerência ao fluxo incessante de informações entre o corpo e o ambiente; o modo como ela se organiza em tempo e espaço é também o modo como as imagens do corpo se constroem no trânsito entre o dentro (imagens que não se vê, imagens-pensamentos) e o fora (imagens implementadas em ações) do corpo organizando-se como processos latentes de comunicação. (GREINER, 2005, p.73)

Em cena os criadores-intérpretes se colocarão no entre lugar de se deixar contaminar pelas metáforas de cada cena e permitirem que cada movimento seja fruto desta relação de busca por uma coerência no fluxo de informações. Para trabalhar a dramaturgia desse “corpo em trânsito”, pretendo levar a cena um corpo que a partir de suas mudanças de estados corporais, nas contaminações incessantes entre o dentro e o fora (o corpo e o mundo), o real e o imaginado, o que se dá naquele momento e em estados anteriores (sempre imediatamente transformados), [..] vai se narrando e aos seus processos em cena, numa relação contínua com o aqui e o agora. Em cena “a cada movimento o corpo expõe configurações e reconfigurações que organizam-se espaço-temporalmente e provocam inúmeras percepções”. (SETENTA, 2009, p.11). Assim como Setenta (2009) considero este trabalho uma ação política enquanto performatividade que se enuncia em um corpomídia que dança. Corpo implicado e comprometido com as relações que estabelece com o ambiente durante a ação cênica. “É um exercício de ações-atitudes performativas, trabalhadas em um corpo que é mídia de si mesmo e, que aborda e discute questões da diferença no fazer-dizer artístico” (SETENTA, 2009, p.12) Assim como a autora proponho um corpo como produtor de questões e não receptáculo reprodutor de passos ordenados e, longe de pretender encontrar soluções e respostas definitivas, investigamos nesta encenação, de que maneira os questionamentos do corpo estão se resolvendo no próprio corpo. (ibid. p.20) O modo performativo de enunciação da linguagem a que me refiro é aquele que utiliza sempre verbos no presente e que faz pensar nas ações corporais de dança que “possam privilegiar ideias-movimentos, que se processam no fazer (o presente do movimento)” (ibid. p.23). Enquanto possibilidade cênica, é este lugar que me interessa, o que trata o corpo como um auto-organizador de enunciados e que implica nesse seu fazer a “compreensão de que ele se dá em estados de provisoriedade, transformação, inquietude, permeabilidade, investigação e reflexão crítica.” (ibid., p.27). Ainda em concordância com Setenta (2009), o fazer-dizer neste experimento é construído no corpo e pelo corpo, que assume a responsabilidade pelas invenções de seus modos de apresentação e de estar em cena. Pretendo levar a cena um modo de agir performativamente que procura não se fixar a modelos pré-estabelecidos e trabalha com a “possibilidade de reorganizar as informações existentes no corpo e inventar uma maneira de movimentar-se que enuncie as indagações e transformações ocorridas no processo do fazer.” (SETENTA, 2009, p. 45) Assim como na proposta da autora proponho em cena que as formulações se “organizem em rede, tecendo opções de escolha, renovando dados existentes, acolhendo dados emergentes, refletindo criticamente sobre as ações-movimentos experimentados no contínuo do fazer corpóreo.

O criador-intérprete se prepara adaptando-se às necessidades que se apresentam no decorrer do processo de produção da sua dança performativa. Mesmo tendo experienciado diversas técnicas de dança, diferentes instruções motoras, o que vai prevalecer é a “experimentação do seu fazer naquele momento, a sua adaptabilidade corporal para enunciação daquela fala performativa. (SETENTA, 2009, p.47)

O que não me interessa e decidi deixar fora do experimento são os acordos entre passos que privilegiam uma montagem/colagem (coreografia). Nesse tipo de organização, “as aquisições que ganham estabilidade no corpo dão ao mesmo o status de corpo hábil, talentoso e virtuoso. Um corpo que executa com precisão os exercícios de imitação de informações que já dispõe.” (SETENTA, 2009, p.48) Quero em cena um corpo sensível, vibrátil, atuando com falas/ações híbridas, negociando sua própria fala com o momento presente, em um “estado alterado de consciência”. Quero apresentar “um sistema dinâmico em permanente fluxo que atua contaminando ao mesmo tempo que é contaminado, descrevendo em tempo real o estado em que se encontra.” (SETENTA, 2009,p.51) Concordo com Setenta (2009) quando ela nos diz que “na dança o corpo deve estar cuidado em sua inteireza, exposto em seus estados transitório e circunstanciais. Pensar o corpo que dança na performatividade é desconectar-se da ideia de corpo com formas definidas por molduras pré-esquematizadas, que vai dançar organizando criativamente os materiais que já conhece. O corpo performativo é um corpo em estado de “definição” contínua – vai realizar definições provisórias e problematizadas em espaços de distúrbio. No trabalho com a performatividade, a dança contemporânea vai se manter em um processo contínuo de reconfigurar-se. (SETENTA, 2009, p.85)

Apresento então, baseado nos conceitos acima discutidos, uma “cartografia coreográfica” que se define no fazer-dizer dos improvisadores em cena, novo a cada presente do presente, baseado em uma dramaturgia/conceito que se apresenta como cartografia e não como mapa, como possibilidade de caminhos e trajetórias que se definem no momento em que são percorridas e não como algo definido a priori. Um devir infinito possibilitado pelo dançar, pelo criar, destruir e recriar sentidos, pelo desestabilizar, pelo esquecer, pelo “ser” como forma de “estar” no aqui e agora, em diálogo com a sincronicidade da existência, que em si, é pura estética.

Dessa forma, a discussão teórica será embasada na literatura existente sobre o tema da improvisação considerada como uma prática relacionada à criação de mundo e de processos de subjetivação. Na condição de pesquisador-improvisador e com o objetivo de produzir uma reflexão a partir da minha experiência prática, atentarei para o diálogo entre as leituras/reflexões e as observações/experimentações realizadas em campo. Mesmo sabendo que trato de questões que exigem certo grau de aprofundamento teórico e rigor contínuo, buscarei encaminhar meu processo de escrita concomitante à prática, ou seja, relacionando-a as pesquisas de campo e às atividades/exercícios e processos criativos em sala.

5.3. Procedimentos Metodológicos Práticos

Tendo em vista o cumprimento dos seus objetivos, a presente pesquisa se orienta pelas diretrizes de uma abordagem qualitativa com as etapas interrelacionadas da maneira como segue:

  1. Pesquisa bibliográfica e inventario dos conceitos que influenciaram e motivaram a pesquisa (fundamentação teórica);
  2. As vivências em sala de aula;
  3. Pesquisa pratica;
  4. Apresentação do experimento cênico com um grupo de improvisadores.

1) A pesquisa bibliográfica e inventario dos conceitos que influenciaram e motivaram a pesquisa:  nesta secção apresentarei a fundamentação teórica, baseada na revisão bibliográfica, e experiência particular, sobre os conteúdos abordados durante o processo.

  • Sobre a relação entre movimento e imagem corporal;
  • Sobre técnicas de improvisação e de técnicas de educação somática aplicadas ao trabalho do improvisador em dança;
  • Sobre corporalidade e performatividade;
  • Sobreo método cartográfico como possibilidade de metodologia de pesquisa em dança;

Por se tratar de uma pesquisa que esta intrinsecamente ligada à minha jornada como artista/docente e como pesquisador do movimento humano, realizei um inventário sobre alguns dos conteúdos que pretendo abordar durante o projeto.  Esta abordagem tem por objetivo identificar, aprofundar e fundamentar o modo como muitos dos conceitos referentes ao corpo e à improvisação enquanto processo criativo em/na dança pesquisados por mim foram sendo incorporados ao meu trabalho.

2) As vivências em sala de aula: aqui serão apresentados os caminhos metodológicos percorridos com os participantes do experimento prático e as justificativas das minhas decisões neste caminho.

Para ampliar meus conhecimentos e minha experiência pedagógica em dança, visando melhor me preparar para a realização da pesquisa, proponho-me a participar de: cursos e workshops ministrados por profissionais das áreas pesquisadas; congressos, encontros, palestras e debates, assim como, as próprias disciplinas oferecidas pelo programa de pós-graduação em dança da UFBA.

3)  A pesquisa pratica: aqui será discutido como todos os participantes do experimento vivenciaram o processo em sua totalidade.

Esta parte da pesquisa constará da aplicação dos conceitos teórico-práticos abordados na pesquisa, seguida da análise dos diários de bordo dos participantes, que visam identificar e embasar a discussão de como o processo os influenciou no que se refere à consciência corporal, imagem corporal e ao processo criativo em dança utilizando a improvisação como foco de trabalho. Quanto a escrita Bondía nos diz: “quando fazemos coisas com as palavras, do que se trata é de como damos sentido ao que somos e ao que nos acontece, de como correlacionamos as palavras e as coisas, de como nomeamos o que vemos ou o que sentimos e de como vemos ou sentimos o que nomeamos.” (BONDÍA, 2002:21) Acredito muito no potencial da escrita como catalizador de afetos e vivências e venho utilizando a prática da escrita de diários de bordo tanto em meus processos pedagógicos quanto criativos; se é que existe alguma diferença entre eles.

4)  Experimentação cênica com um grupo de improvisadores e apresentação dos resultados: aqui pretendo apresentar o processo criativo desenvolvido com improvisadores como parte dos resultados do projeto de pesquisa. O material resultante do interjogo entre a teoria e a pratica, sistematizados na pesquisa com os participantes, serão vivenciados através da criação de uma performance, no formato cartografia coreográfica, a ser apresentada no momento da finalização da pós-graduação para os outros pós graduandos e professores como parte integrante e primordial do meu processo de reflexão.

Existem  atualmente  duas  tendências  importantes  de  pesquisa,  cujos paradigmas  têm  sido  usados  para  caracterizar  o  estado  da  investigação:  um que se caracteriza pela adoção de uma estratégia de pesquisa modelada nas ciências  naturais  e  baseada  em  observações  empíricas  para  explicar  fatos  e fazer  previsões  (pesquisa  experimental),  e  outro,  que  advoga  uma  lógica própria  para  o  estudo  dos  fenômenos  humanos  e  sociais,  procurando  as significações  dos  fatos  no  contexto  concreto  em  que  ocorrem  (pesquisa qualitativa).

A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito.  O objeto não é um dado inerte e   neutro; está atravessado de significados e relações que os sujeitos concretos criam em suas ações. No caso desta pesquisa isso se torna evidente através dos relatos de todos os sujeitos-objetos envolvidos.

A delimitação do problema nesta pesquisa não resulta de uma afirmação prévia e individual, formulada por mim e para a qual recolhi dados comprobatórios.  O problema afigura-se como um processo, percebido e vivenciado pelos sujeitos.

Por ter vivenciado os dois caminhos, graduação e pós-graduação na área da saúde (fisioterapia e educação física) e minha jornada artística como bailarino-ator, dança-terapeuta, coreógrafo e pedagogo do movimento, concordo com Tavares (2001) quando ela afirma que o conhecimento sensível de um artista pode ser o ponto de partida para uma investigação científica, assim como uma investigação científica pode apontar novos caminhos para a consciência da sensível.

Tenho a intenção de me arvorar na experimentação de uma metodologia de pesquisa que se baseia no entendimento de que a pesquisa não deve ser constituída a partir de modelos estruturais prontos, com questões a priori, metas especificas e caminhos traçados. Embora tenha que apresentar um plano de trabalho para este projeto, quero porém, apostar na cartografia como uma metodologia de pesquisa em dança que permita espaço para o caminhar que se redefine na radicalidade do percurso de suas metas como nos propõe Passos & Barros (2009 apud MORAES JÚNIOR, 2011, p.54). Por estar me propondo a pesquisar a improvisação, creio que a cartografia por lidar com a criação de devires é o método que mais dialoga com o objeto em estudo. O projeto apresenta uma proposta dinâmica baseada na processualidade da pesquisa como agenciador de saberes e afetos, com relação a isto Moraes Júnior (2011) nos propõe:

A cartografia é um “desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de transformação da paisagem” (ROLNIK, 1989, p.15). Transportá-la, portanto, para o campo das paisagens psicossociais é afirmá-la como instrumento de análise da composição e desmantelamento de mundos, dos afetos que os atravessam e das intensidades que são captáveis pela vibração do corpo.  “A cartografia, diferentemente do mapa, é a integibilidade da paisagem em seus acidentes, suas mutações”, explica Suely Rolnik (ROLNIK, 1989, p.62). […] O cartógrafo, na verdade, acompanha um campo extremamente dinâmico.  O que ele procura incansavelmente são processos e devires. A cartografia consiste numa espécie de abertura ao finito ilimitado das possibilidades da existência humana. (MORAES JÚNIOR, 2011, p.54-55)

O projeto de pesquisa que estou propondo ainda dialoga com Moraes Júnior (2011) quando eles no propõe que “um projeto de pesquisa que se lança para dentro da análise da composição de subjetividades, deve necessariamente compreende-las na perspectiva do seu estado dinâmico e de sua correlação com outros mundos existenciais.” (MORAES JÚNIOR, 2011, p.59).

A aproximação à uma realidade complexa como é a dança implica em uma abordagem não dualista, que rejeita as usuais dissociações natureza/cultura, objetivo/subjetivo e põe em questão as metodologias tradicionais de pesquisa em arte. De acordo Deleuze e Guattari (1995) como citados por Paulon & Romagnoli (2010),

Já a cartografia, como proposta por Deleuze e Guattari (1995), é um método para aproximação da subjetividade entendida em sua dimensão processual que é, sempre, nesta concepção diferenciada da noção de sujeito, produto e também processo de produção. “Encontramos aí a primeira pista para a prática do método da cartografia: cartografar é acompanhar um processo, e não representar um objeto.”, afirma Kastrup (2008, p. 469). Como um dos princípios de funcionamento do rizoma, para Deleuze e Guattari (1995), a cartografia é um mapa aberto que se vai desenhando pelas conexões que o campo de pesquisa ofertar, não se esquecendo jamais que nele se incluem as implicações do próprio pesquisador, ou seja, seus desejos, perguntas, curiosidades, verdades… (PAULON & ROMAGNOLI, 2010, p.98)

Meu desejo é que ao final deste processo cartográfico eu possa compreender melhor como se dá a  relação  entre  movimento  e  imagem  corporal,  como  esta  relação  pode  ser utilizada  em  um  processo  pedagógico  e  criativo  envolvendo  o  bailarino-criador, assim como, observar o resultado de tal integração na capacidade deste artista  em  desenvolver  uma  maior  consciência  de  sua  corporeidade,  sua performatividade, de seu repertório de metáforas corporais, do  seu corpo  em  movimento  e  de  suas  habilidades  motoras  e  expressivas, subsidiando a sua atuação enquanto corpo cênico destruidor de certezas, auxiliando-o no seu processo de pesquisa em dança e com isto contribuir para a construção de saberes em/na dança enquanto área de conhecimento.

6.      Cronograma

Atividade Semestre
 
Reelaboração de projeto de pesquisa e envio para agência financiadora de pesquisa  X      
Curso de disciplinas  X  X    
Revisão bibliográfica – método cartográfico de pesquisa; relação movimento e imagem corporal; corporalidade e performatividade  X  X  X  
Pesquisa prática para estruturação do experimento cênico    X  X  
Qualificação      X  
Início da escrita e organização do material teórico e prático  X  X  X
Sistematização, análise dos dados, finalização da escrita      X  X
Revisão e Defesa        X

7.      Referências Bibliográficas

7.1. Bibliografia utilizada para escrita deste pré-projeto

  • AQUINO, Rita Ferreira. Uma reflexão sobre a autonomia da dança como área do conhecimento. Anais: IV Reunião Científica de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas. GT – Dança e Novas Tecnologias. 2007.
  • BONDIA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação [online]. n.19, pp. 20-28,  2002.  Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782002000100003&script=sci_abstract&tlng=pt – acesso em: 12/10/2014.
  • BUSAID, Ana Milena Navarro. Como fazer a dançaprópria. Repertório, Salvador, n.18, p.144-149, 2012.
  • CASH, Thomas C. and PRUZINSKY, Thomas (editors). Body Image: development, deviance and change. New York: The Guilford Press, 1990. p.361.
  • GIL, José. “O corpo paradoxal”. In Nietzsche e Deleuze: que pode o corpo. Organização: Daniel Lins e Sylvio Gadelha (org.). Rio de Janeiro: Relume Dumará, Fortaleza, CE: Secretaria da Cultura e Desporto, 2002. P.131-147.
  • GOUVÊA, Raquel Valente de. A Experimentação na Improvisação de Dança. R. Científica / FAP, Curitiba, v. 9, p. 160-176, jan./jun. 2012.
  • GOUVÊA, Raquel Valente de. O corpo improvisador. Urdimento: Revista de Estudos em Artes Cênicas, v.2, n.19, 2012.
  • GREINER, Christine. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.
  • HERCOLES, Rosa. A não representação do movimento. In: RENGEL, Lenira; THRALL, Karin (org.) Coleção Corpo em Cena (vol.2). São Paulo: Anadora Editora & Comunicação, 2011.
  • HÉRCULES, R. Dança como produção de conhecimento. Disponível em: http://idanca.net/2008/02/21/epistemologia-em-movimento/ Acessado em: 09/10/2008.
  • MARTINES, Wânia Regina Veiga; MACHADO, Ana Lúcia; COLVERO, Luciana de Almeida. A cartografia como inovação metodológica na pesquisa em saúde. Tempus Actas de Saúde Coletiva, [S.l.], v. 7, n. 2, p. Pág. 203-211, set. 2013.
  • MOEHLECKE, Vilene; FONSECA, Tania Maria Galli. Da dança e do devir: o corpo no regime do sutil. Revista do Departamento de Psicologia – UFF, v.17, n.1, p.29-44, Jan./Jun. 2005.
  • MORAES JÚNIOR, José de Assis. Para uma análise cartográfica da subjetividade na escola a partir de Nietzsche, Deleuze e Guattari. SABERES, Natal – RN, v. 1, n.6, fev. 2011.
  • NÓBREGA, Terezinha Petrúcia. Corpo e natureza em Merleau-Ponty. Porto Alegre, v. 20, n. 3, p. 1175-1196, jul./set. de 2014.
  • OLIVEIRA, Thiago Moreira de; PARAÍSO, Marlucy Alves. Mapas, dança, desenhos: a cartografia como método de pesquisa em educação. Pro-Posições, v.23, n.3(69), p.159-178, set./dez. 2012.
  • PAULON, Simone Mainieri; ROMAGNOLI, Roberta Carvalho. Pesquisa-intervenção e cartografia: melindres e meandros metodológicos. Estudos e Pesquisa em Psicologia, UERJ, RJ, ano 10, n.1, p.85-102, 2010.
  • RESENDE, Catarina. O que pode um corpo? O método Angel Vianna de conscientização do movimento como um instrumento terapêutico. Physis [online]. vol.18, n.3, pp. 563-574, 2008. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/physis/v18n3/v18n3a11.pdf – Acesso em: 12/10/2014.
  • ROCHA, Thereza (Thereza Cristina Rocha Cardoso). Escrita de processo/Escrita de dança.  Rio de Janeiro:  PPGAC-UNIRIO.  Anais do VII Congresso da ABRACE, Porto Alegre: 2002.
  • SETENTA, Jussara Sobreira. O fazer-dizer do corpo: dança e performatividade. Salvador: EDUFBA, 2008.
  • SHILDER, Paul. A imagem do corpo: as energias construtivas da psique. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 405 p.
  • SILVA, Jardel Sander. Movimentos do corpo em dança: do corpo-sem-órgãos ao corporar. Revista “O Teatro Transcende” do Departamento de Artes – CCE da FURB – Blumenau, Vol.17, n.1, p.19-38, 2012.
  • SOLANO, Marlon Barrios. Designing Unstable Landscapes. In: BIRRINGER, Johanes.; FENGER, Josephine. (Ed) Tanz im Kopf / Dance and Cognition. Jahrbuch Nr. 15, Gesellschaft für Tanzforschung, Münster: LIT Verlag, 2005.
  • TAVARES, Maria C.G.F. A imagem corporal e a dança. Revista Conexões, v.1, n.6, p.10-22, 2001.
  • TAVARES, Maria C.G.F. Imagem Corporal: conceito e desenvolvimento. Barueri, SP: Manole, 2003, 147 p.
  • TURTELLI, Larissa S.; TAVARES, Maria da Consolação G.  C.  F.; DUARTE, Edison.  Caminhos da pesquisa em imagem corporal na sua relação com o movimento.  Revista Brasileira de Ciência e Esporte, Campinas, v. 24, n. 1, p. 151-166, set. 2002.
  • TURTELLI, Larissa S. Relações entre imagem corporal e qualidades de movimento: uma reflexão a partir de uma pesquisa bibliográfica. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas. 2003.

7.2. Indicação de obras a serem lidas durante o mestrado

  • AGNEESSENS, Carol. The fabric of wholeness: biological intelligence and relational gravity. Canada: The Bramble Company, 2001, p.237.
  • BITTENCOURT, Adriana. Imagens como acontecimento: dispositivos do corpo, dispositivos da dança. Salvador: EDUFBA, 2012, p.93.
  • BACON, Jane M.; MIDGELOW, Vida L. Articulating choreographic practices, locating the field: an introduction. Choreographic Practices, v.1, p3–19, 2010.
  • DA SILVA, Hugo Leonardo. Estruturas coreográficas abertas à improvisação. Salvador: EDUFBA, 2009.
  • DELEUZE, Gilles; GUATTARRI, Félix.  Mil Platôs:  capitalismo e esquizofrenia, vol.  3. Tradução de Aurélio Guerra Neto, Ana Lúcia de Oliveira, Lúcia Cláudia e Suely Rolnik. 2a ed. São Paulo: Ed. 34, 2002, 144p.
  • DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 4. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira, Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. São Paulo: Ed. 34, 1995. 128p.
  • ENGELMAN, Selda (Org.). Corpo, arte e clínica. Porto Alegre: UFRGS, 2004.
  • FONSECA, Tania Maria Galli; KIRST, Patrícia Gomes. (Org.) Cartografias e Devires: a construção do presente. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.
  • GIL, José. Metamorfoses do Corpo. Lisboa: Relógio D’Água, 1997. 222 p.
  • GIL, José. Movimento Total. São Paulo: Iluminuras, 2004.
  • GIL, José. O corpo paradoxal. In.:  LINS, Daniel; GADELHA, Sylvio.  (Org.).  Nietzsche e Deleuze:  que pode o corpo. Rio de Janeiro; Fortaleza: Relume Dumará; Secretaria da Cultura e Desporto, 2002.
  • GOUVÊA, Raquel Valente de. A improvisação de dança na (trans) formação do artista-aprendiz: uma reflexão nos entrelugares das Artes Cênicas, Filosofia e Educação. 2012. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, SP, Faculdade de Educação.
  • GOUVÊA, Raquel Valente de. Prática corporenergética para a improvisação de dança: uma via para a manifestação da criatividade. 2004. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, SP, Instituto de Artes.
  • GUATTARI, Felix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 7. ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2005. 439 p.
  • HAGENDOORN, Ivar. Cognitive dance improvisation: How study of the motor system can inspire Dance (and vice versa). LEONARDO, V.36, N.3, p.221–227, 2003.
  • JOHSON, Don Hanlon. (org.) Bone, breath & gesture: practices of embodiment. Berkeley, California; North Atlantic Books, 1995, p.389.
  • KATZ, Helena. Um, dois, três: a dança é o pensamento do corpo. Belo Horizonte: Helena Katz, 2004. p.273.
  • KERSTENBERG, Judith S. The role of movement paterns in development, (vol.1) New York: Dance Notation Bureau, 1971, p.138.
  • LAKOFF, George. JOHNSON, Mark. Philosophy in the Flesh The Embodied Mind and Its Challenge to Western Thought. New York: Basic Books, 1999.
  • LEWIS, Carine. The relationship Betwwen Improvisation and cognition. Tese de doutorado em Filosofia. University of Hertfordshire, Reino Unido. 2012.
  • LINS, Daniel.; GADELHA, Sylvio. (org.) Nietzsche e Deleuze: que pode o corpo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, Fortaleza, CE: Secretaria da Cultura e Desporto, 2002.
  • MARTINS, Cleide. Improvisação em dança: um processo sistêmico e evolutivo. Dissertação de mestrado em Comunicação e Semiótica. Pontifica Universidade Católica de São Paulo. 1999.
  • MERLEAU-PONTY, Maurice Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p.662.
  • PAKES, Anna. Dance’s Mind-Body Problem. Dance Research: The Journal of the Society for Dance Research, V.24, N.2, p.87-104, 2006.
  • PASSOS, Eduardo.; KASTRUP, Virgínia.; ESCÓSSIA, Liliana da. Pistas do método da cartografia: pesquisa intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2012.
  • ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. 2a ed. Porto Alegre: Sulina; Ed. da UFRGS, 2014.
  • SANT’ANNA, Denise B. de.  Corpos de Passagem:  ensaios sobre a subjetividade contemporânea. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.
  • SANTOS, Boaventura S. Um discurso sobre a ciência. São Paulo: Cortez, 2003a.
  • SILVA, Camila Ferreira. Processo de criação: improvisação como caminho para composição coreográfica. Dissertação de mestrado em Artes. Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas. 2009.
  • VARELA, Francisco; THOMPSON, Evan; ROSCH, Eleanor. Embodied mind: cognitive science and human experience. London: The MIT Press, 1996.

NOTAS

[1] Por cartografia coreográfica proponho aqui a ideia de uma espécie de trama organizada a partir de impulsos criativos/afetivos que concedem certa coerência interna e que exponha uma dialogia com os temas abordados na dramaturgia da encenação explorando a relação entre sensações, percepção e memória corporal. Proponho relevos, dobras, fissuras, entre lugares e serem percorridos e vivenciados no momento em que ação acontece em cena.

[2] O corpo cênico, movimento e imagem corporal: uma proposta prática na formação do ator-criador. Trabalho de Conclusão de Curso da pós-graduação latu sensu em Dança como Pratica Terapêutica pela Faculdade Angel Vianna (RJ). 2012-2013. Todo o processo da pesquisa pode ser acessado no seguinte link: http://movimentoeimagemcorporal.wordpress.com/

[3] Elégún: um corpo em trânsito – projeto de montagem em dança incentivado pelo fomento da Lei Municipal de Incentivo à Cultura da cidade de Caxias do Sul (RS). Secretaria Municipal da Cultura – FINANCIARTE – Financiamento da Arte e Cultura Caxiense (edital 2012) – todo o processo pode ser visto no seguinte site: http://corpoelegun.wordpress.com/

[4] SETENTA, Jussara Sobreira. O fazer-dizer do corpo: dança e performatividade. Salvador: EDUFBA, 2008.

[5] GREINER, Christine. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.

[6] “Todo o conhecimento é autoconhecimento”. Neste paradigma emergente assume-se que o objeto é a continuação do sujeito por outros meios e que justamente por isso todo o conhecimento científico é também autoconhecimento. Afirma-se assim a ideia de que a ciência não descobre, cria. Trata-se de um acto criativo protagonizado por cada cientista e pela comunidade científica em seu conjunto. A explicação científica dos fenômenos é a auto justificação da ciência enquanto fenômeno central da nossa contemporaneidade. A ciência é autobiográfica. SANTOS, Boaventura S. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2003.

[7] FISHER, Seymor. The evolution of Psychological Concepts about the Body. In: In: CASH, Thomas C. and PRUZINSKY, Thomas (editors). Body Image: development, deviance and change. New York: The Guilford Press, 1990.

[8] SHONTZ, F. C. Body image and its disorders. In: LIPOWSKI, Z. J.; LIPSITT, D. R.; WHYBROW, P. C. (Eds.). Psychosomatic medicine: current trends and clinical applications. New York: Oxford University Press, 1977.

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